Melhor mil vidas morrer
Que viver assim atormentado
Querida, lembra-te que o meu ser
Por tua causa morreu rejubilado.
John Dowland (1563-1626) in
"The Earl of Essex Galliard" -
First Booke of Songes (1597)
Trad. por Sam.
Cantado por Sting in Songs from the Labyrinth, a música de Dowland é dissonantes mas também envolvente. As dez canções presentes nesta recompilação provam-nos que o compositor era detentor duma personalidade singular que questionava, à boa maneira do seu tempo, a vida e a morte. Numa das canções -- Wilt thou unkind thus reave me -- demonstra a jubilosa melancolia de quem é capaz de ver para além do sofrimento dum amor não correspondido; pois amor tão intenso é aquele que permite maior facilidade em se afastar para, como Majnún ou Romeu, buscar a sua Laylí ou Julieta na morte: "a vida irá morrer, a morte manter-se-á viva para te amar", afirma o poeta-cantor.
Nesta condição de lutador, vivo pela morte, Dowland recebeu o título de Orfeu inglês, o personagem mitológico que regressa do mundo dos mortos. É ele o homem que, não merecendo (talvez como ninguém o mereça) o título de maníaco-depressivo, soube ver alegria e tristezas na vida, aprendendo a dar ao mundo e a receber do mundo, para depois poder transformar o sofrimento nalguma realidade com sentido (parafraseando o psiquiatra austríaco Frankl).
Numa das minhas músicas favoritas do álbum Come again, as aliterações e as redundâncias fazem da lírica e da música a mais jubilosa de todas, permitindo ao ouvinte (sabendo ou não inglês) sorrir mediante a descrição da dor, pois o autor sabe que enquanto sofre está perante a amada, a maior fonte de prazer ao seu coração, a bela jóia da sua existência.
Conforme explicou Frankl (1977), esta é a característica dos que reconheceram o seu papel no progresso humano, ao afirmar que "somente a atitude e a volição permitem-lhe dar testemunho de algo do qual só o homem é capaz: de transformar e remodelar o sofrimento a nível humano para converte-lo num serviço". É o que o próprio Sting diz: a música de Dowland vai "nos lembrando que apesar de poder haver tragédia na vida, a vida em si não é trágica".
Etiquetas: Dowland, Frankl, Laylí e Majnún, Música, Poesia, Psicologia, Sabedoria do amor, Sting