quinta-feira, julho 20, 2006

Prosa comentando poesia...

A pedido de vários visitantes deste blog, escrevo algumas linhas pessoais sobre o que se pode entender do poema anterior de Saná'í, citado por Bahá’u’lláh em Seu místico Os Quatro Vales.
A citação mencionada no post anterior é extraído do Quarto Vale, onde os ‘Arifán (os dotados de conhecimento místico) pretendem alcançar a união com a Divindade, a fonte absoluta do Amor Absoluto.
Desta forma, a aproximação à fonte de amor torna-se no sentido da vida do buscador, do viajante pelos vales. Vamos de encontro ao comentário de Catarina Gomes (a 15 de Julho) que afirma “Ao não recusarmos a cobiça e ao deixarmo-nos levar por sentimentos negativos estaremos como que perdidos e sem rumo”, e viveremos, conforme comentado por Patrícia M. (a 12 de Julho) “numa perspectiva de eterna insatisfação”.
Frankl explica que ao irmos à procura do prazer por ele mesmo acabamos por frustrar tanto a vontade de prazer como a vontade de sentido. Ainda, diz que o prazer deveria ser o efeito secundário das nossas acções com sentido. Desta forma, o coração dominado pela cobiça, ambição, ganância e desejo contínuo e persistente não nos permitirá encontrar o nosso objecto de amor.
Jean Paul Sartre (1939) dá um exemplo ainda mais prático:
Um homem ao qual uma mulher acaba de dizer que o ama, pode começar a dançar e cantar. E fazendo-o ele afasta a sua mente do prudente e difícil comportamento que terá que manter se quiser merecer este amor e aumentá-lo, para possui-lo através de incontáveis detalhes (sorrisos, pequenas atenções, etc.). Ele afasta-se até da própria mulher.
Tanto ele a queria (“coração cobiçoso”) que ao ter atingido a sua meta, perde-o pela sua própria conduta!

Elaheh (a 16 de Julho) menciona a possibilidade de que na segunda parte do poema a tradução possa diferir do original. Ao que parece o original menciona um traje que protege à alma (mais que uma mortalha). O nosso erro torna-se assim em confundir “coração amortalhado” com coração em dor e sofrimento. Se assim fosse, concordar com o poema impedir-nos-ia de concordar com os valores de atitude de Frankl, na medida em que para ele o sofrimento e a dor são uma via para crescimento e o progresso, pois “o homem enfermo, o homem que sabe como sofrer, como plasmar os seus sofrimentos em logros pessoais” (1982) saberia “Reunir-se com a rosa da beleza”.

Eliminada esta hipótese só nos resta concordar com Savi (obra por publicar) que afirma “O dístico de Saná’í citado por Bahá’u’lláh parece sugerir que nada, nem a fina roupa, deveria intervir entre o homem e Deus”, da mesma forma que a mariposa que sabia e entendia a realidade da chama foi a que se fundiu com a chama.
Tratando-se dum poema cujo “estilo de verso [é] comummente chamado poesia erótico-mística" (Bausani, Religion in Iran) poderíamos aplicar isso à vida de casal. Numa epístola, 'Abdu'l-Bahá admoesta a um casal que “Juntos fazei menção de nobres aspirações e conceitos celestiais. Que não haja segredos entre vós” e numa celebração pública de casamento profere “Agora vós dois não sois mais dois, mas um. O desejo de Bahá’u’lláh é que todos os seres humanos tenham o mesmo propósito e se considerem partes de uma grande família”.
O amante deveria assim, desprendido de cobiça e em humildade, aproximar-se tanto do Bem-Amado, de forma a que nenhum véu ("mortalha" em português ou "vestimenta" em persa) possa remanescer entre eles.

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7 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Ola Sam, Ola todos,
Nuna nos podemos esquecer de que o 'Amor' não é um estado quantitativo e atingível na sua totalidade, amor nem tem totalidade ou limite. É um estado infinito, mutável, inesgotável e de propriedades controversas de paz/êxtase/serenidade/eforia/etc.. é por isto que o 'amante' verdadeira é um incansável e eterno 'buscador', pois quanto mais busca, mais ama, mais saseia a sua sede e fica com mais sede para buscar mais amor, nunca toma amor como garantido, mas como um ente em constante transformação, que evolui com a entrega certa.
S.

20 julho, 2006 20:38  
Anonymous Anónimo disse...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

21 julho, 2006 10:50  
Blogger SAM disse...

Enquanto bahá’í não creio que qualquer ser humano tenha capacidade de absorver na sua totalidade a fragrância do conhecimento de Deus. Cada um de nós a pode entender até certo ponto. Por isso, desde já, peço as minhas desculpas caso as tenha entendido e analisado de forma a ofender a alguém.

Não obstante, também como bahá’í concordo com a Comunidade Internacional Bahá’í ao dizer “O mesmo é verdadeiro quanto à liberdade de pensamento e crença, incluída aí a liberdade religiosa, bem como o direito de ter opiniões e expressá-las adequadamente” e por adequadamente só podemos entender:
“Devem então prosseguir expressando as opiniões com a maior devoção, cortesia, dignidade, cuidado e moderação” ('Abdu'l-Bahá) e que a “cortesia é, em verdade, uma vestimenta que convém a todos os homens, sejam jovens ou velhos” (Bahá'u'lláh).

A Fé bahá’í é um sistema universal e aberto que provê “liberdade à iniciativa e à criatividade individuais” (A Casa Universal de Justiça) sempre que adornados de “limpeza imaculada, absoluta veracidade, castidade imaculada, fidedignidade, hospitalidade, lealdade, cortesia, tolerância, justiça e equidade” (Shoghi Effendi).

Desta forma, não querendo estabelecer critérios de aceitação de comentários (à semelhança de outros blogs) pois acredito na capacidade individual e no bom senso, elimino um comentário e eliminarei, a partir de hoje, quaisquer comentários, neste espaço que é de reflexão conjunta, que sejam ofensivos a quaisquer pessoas (por qualquer motivo que seja).

21 julho, 2006 19:58  
Anonymous Anónimo disse...

"Que não haja segredos entre vós"-
Entre um casal não deve existir nem o mais fino pano, mas será possível dizer o indizível? Será que, o que uns chamarão de prudência (como os gregos, phronesis) e outros de bom-senso, permitirá partilhar aquilo que, implicitamente, apresenta mais relevância do que o que é dito?

23 julho, 2006 16:52  
Anonymous Anónimo disse...

Este blog é quase tão mau como o do Elfo.

24 julho, 2006 21:59  
Anonymous Anónimo disse...

São versos, de facto, difíceis de analisar, mas acho que tu te saíste bem. O que eu acho é que não importam os obstáculos que enfrentamos ao longo da nossa vida, não importam os invejosos ou maldosos que encontramos nesta jornada,...
O que importa é que nada será alcançado a não ser com paciência, sacrifício, desprendimento e perseverança.

25 julho, 2006 18:20  
Anonymous Anónimo disse...

Intimista. Uma boa explanação, Sam!
"Suponho que entendê-lo não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato... Ou toca, ou não toca".

25 julho, 2006 23:43  

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