Jornais como espelho do mundo e não da propaganda
Há cerca de um mês (13 de Abril), sites noticiosos a que subscrevo foram enviando uma informação sobre uma explosão que ocorrera na cidade de Shiráz (Irã). As notícias iam mudando à medida que o tempo ia passando:
- Ocorreu uma explosão no Irã;
- Ocorreu uma explosão na cidade iraniana de Shiráz, provocando vítimas;
- Ocorreu uma explosão em mesquita da cidade iraniana de de Shiráz provocando vítimas letais e número desconhecido de feridos;
- Ocorreu uma explosão na mesquita na qual se faziam críticas aos grupos wahabistas e bahá’ís, na cidade iraniana de de Shiráz provocando número X de vítimas letais e de feridos.
A notícia ia, assim, como que evoluindo e sempre pedindo àqueles que lá estavam que fossem dando notícias. O número de mortos cresceu de
O Sr. Enjavinejad, o principal clérigo da mesquita Mártires de Hosseyn e quem discursava aquando da explosão, prontificou-se a dizer que “acreditamos ser possível que os bahaioons tenham mão nisso”. Os noticiosos diversos, mundo afora, sem pensar nem ler, meramente traduziram o texto da Agência Governamental Fars. Da BBC inglesa à brasileira Folha de S. Paulo, podia-se ler que se tratava de um “encontro semanal de sábado sobre os grupos hereges wahabi e bahai”.
A Folha prontificou-se a corrigir o erro, retirando os termos herege e extremista de todas as suas notícias, assumindo o erro, e adicionando algumas novas frases à sua versão anterior: “Após
Chegou-se mesmo a falar de uma bomba dentro daquelas pastas para computadores e que, minutos antes da explosão, foram vistas pessoas estranhas que lá deixaram um pacote suspeito, abandonando o local de imediato.
Esqueceram-se foi de mencionar que decorria, na mesma mesquita, uma exposição de armas e que, por falta de adequada segurança, a explosão, que foi acidental, ocorreu.
Interessante foi notar, entretanto, que vários sites noticiosos com espaços para comentários iam declarando que era uma explosão, mas originada por questões entre o poder instituído e a oposição iraniana. Havendo mesmo quem dissesse que "Estou ligando de Shiráz. Por agora as forças policiais estão tentando retratar isto como uma acidente, por outro lado estão pretendendo que são eles as vítimas ao mostrar os feridos e mortos. Parece que querem usar isto no momento adequado para seu próprio benefício; significa que pelo que estava sendo dito contra os nossos queridos Baha'is na reunião [na mesquita] querem pôr as culpas nos Baha'is".
A explosão no Irã foi um incidente, a explosão em Shiráz não foi um ataque bomba, e, finalmente, o Irã excluiu a possibilidade de ataque terrorista na explosão em Shiráz foram os títulos das notícias da própria agéncia Fars que, antes, evitava mencionar essa possibilidade. E os bahá’ís, segundo os noticiários que continuavam a falar deles, deixaram de ser violentos terroristas e passaram a ser “buscadores de prazer e com coração de galinha quem nem se atrevem a se identificar, quanto mais conspirar um ataque terrorista”.
E não é que não se decidem? Agora que 6 líderes informais da Comunidade Bahá'í iraniana foram presos, alguns noticiosos querem fazer crer que eles estariam envolvidos nas explosões. Por outro lado, alega-se que há um grupo de terroristas do EUA que foram já presos, e, por um outro lado ainda, Canadá e Israel são acusados de responsabilidade...
Mas, afinal, em quais das histórias aqui linkadas devemos crer?
Em qual dos relatores, autores, jornalistas, políticos e comentadores se deve acreditar?
Seja como for, nada disso importa! Os seis líderes informais da Comunidade Bahá'í iraniana estão encarcerados em Evin e o estado iraniano deve ter consciência que, da mesma forma que a investigação científica sugere, mensagens negativas indicando risco são consideradas mais confiáveis que as positivas, que os eleitores pesam mais a informação negativa que a positiva sobre os candidatos e que o viés negativo possui papel mais forte na modelação da opinião pública. Assim sendo, o que se pretende, sobretudo, é manchar a imagem da Comunidade Bahá'í do Irã, o que não é de me espantar pois quando amigos muçulmanos saem do Irã e me conhecem, aqui em Portugal, me comentam: “Vocês bahá’ís não são nada como nós pensávamos!”. Pois é, porque nós acreditamos que
A religião deve unir todos os corações e fazer com que as guerras e disputas desapareçam da face da terra, dar origem à espiritualidade e trazer vida e luz a cada coração. Se a religião torna-se causa de aversão, ódio e divisão, melhor seria deixá-la, e tirar-se de tal religião constituiria ato verdadeiramente religioso. Pois é claro que o propósito de um remédio é curar; mas se o remédio agrava a doença, é melhor deixá-lo de lado. Qualquer religião que não seja fonte do amor e da unidade, não é verdadeira religião.
('Abdu'l-Bahá, Palestras em Paris)
A afirmação daqueles meus amigos demonstra o quanto o entendimento depende da determinação e forma como a notícia é mediada pela comunicação social, e nem "posso imaginar porquê tão forte Bahai-fobia existe na sociedade iraniana".
Se, uma vez mais, como diria Araújo, “a imprensa deve ser vista como um espelho dotado de visão e fala. Ou seja, a busca da verdade, a busca do outro lado da notícia, a sinceridade na apuração das notícias ainda são os grandes pilares de um jornalismo saudável”, eu teria que concordar com ele e dizer que… é mesmo tempo de polir o espelho!
Como que, forçados pela pressão internacional, o Governo iraniano, através de seu Porta-Voz Golham Husayn Elham, declara, ante jornalistas iranianos e estrangeiros, sobre a prisão destes 6 bahá'ís que "movimentos organizados foram orquestrados contra a soberania nacional" "com estrangeiros, em especial com sionistas", terminando por afirmar que "confundir questões de segurança nacional com assuntos religiosos, que sequer penso que seja religioso, é um erro".
Quem leu este texto na íntegra e conhece o historial da situação, não pode, senão, pensar que se trata de uma declaração infundamentada com o único propósito de se justificar o injustificável.
Etiquetas: 'Abdu'l-Bahá, Blogs, Imprensa, Irã, Lideranças, Religião
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