terça-feira, janeiro 08, 2008

Feliz Aniversário Jean Charles de Menezes!

Um dos livros que mais me comoveu no ano passado foi Em Nome de Sua Majestade, um livro de Ivan Sant’Anna que descreve uma das mais trágicas consequências do terrorismo: as vítimas inocentes que resultam das mãos das forças de autoridade.

Como consequência dos 2 ataques terroristas de Julho de 2005, com a morte de 52 pessoas, morreu um jovem, nas mãos da incompetência de quem tinha por obrigação o proteger: Jean Charles de Menezes (J.C., por questões de espaço), o mesmo que faria ontem 30 anos de idade, foi morto a 22 de Julho, confundido com Hussein, um terrorista que já estava em Roma, enquanto a polícia o procurava em casa.

O livro relata alguns dos erros cometidos pela polícia:
  • Designaram um homem que “além de pouca experiência” “usava equipamento diferente do da polícia e se comunicava com uma linguagem em código desconhecida para observar o complexo onde residia o alegado terrorista Hussein.
  • Ao invés de memorizar o aspecto físico do terrorista e o reconhecer, quando o visse, a sua missão era tirar fotografias com o seu telefone móvel e enviá-las aos serviços centrais para verificação. Para poupar bateria, o telemóvel era ligado e desligado sistematicamente. Imagine-se o tempo dispendido e a qualidade do serviço diminuída!
  • Depois de 3 horas sozinho, o agente em causa precisou urinar e deixou o seu posto… Ocupado com as suas necessidades fisiológicas, não percebeu que o brasileiro passava por lá, mas viu um vulto e informou, no seu código, “U” (ou seja, não-identificado), sexo masculino, CI (branco), cinco pés e oito polegadas (1,75m), cabelos escuros, barba escanhoada, jaqueta jeans azul, calça jeans e ténis. E terminou dizendo “não posso confirmar se ele é ou não o suspeito”.
  • Ninguém percebeu os códigos e ninguém perguntou o que poderia significar. E, para não arriscar, 3 homens foram enviados para seguir o rapaz que nada tinha a ver com o assunto.
  • J.C. entrou no bus de 2 andares e sentou-se. Entretanto, desceu para apanhar o metropolitano na Estação de Brixton, com os 3 sempre à socapa. Infelizmente, a estação estava fechada justamente devido os ataques terroristas do dia anterior e foi correndo para não perder o transporte anterior e sair noutra estação de metro. Os agentes não se coibiram de interpretar que se só se poderia tratar de uma manobra de diversão e nem se lembraram que aquela estação estaria fechada…
  • Ele, finalmente, chega à outra estação onde tudo viria por ocorrer. Mas o autor do livro tem razão: “Já que supunham que o suspeito poderia ser um perigoso homem-bomba” os agentes que o seguiam “deveriam tê-lo agarrado antes que entrasse no prédio do metro e, por conseguinte, ainda no contexto dessa suposição falsa, pusesse muitas vidas em perigo”, vindo a descobrir “o engano cometido” e “tudo não teria passado de um incidente sem maiores conseqüências, do qual quase ninguém tomaria conhecimento”.
  • Jean Charles entrou na estação, pegou num exemplar do jornal Metro, passou pelas portinholas com o seu cartão, desceu com a escada rolante, parado do lado direito com o seu jornal “como fazem os passageiros que não estão com pressa”, entrou no tube que chegou, sentou-se numa das poltronas estofadas (se ele fosse um terrorista já teria, aqui, cumprido a missão!), um dos agentes “deu um bote, saltou por cima dos dois assentos que o separavam do suspeito. Suas mãos, como se fossem as garras de um alicate, prenderam os braços de Jean Charles, pelas costas, na altura dos rins” e mesmo assim a coisa não acabou aqui!
  • Foram dados 11 tiros de balas explosivas. Não só não o imobilizaram para o prender, como lhe deram mais tiros do que o necessário para o matar: continuaram atirando quando ele já tinha caído no chão do vagão!!! E, as balas usadas estão proibidas desde a Convenção de Haia.

Um homem inocente – diz Sant’Anna – fora morto por policiais à paisana. Sem receber voz de prisão. Sem nenhuma advertência. Sem esboçar um gesto de defesa. Sem saber por que faziam aquilo com ele.

Por mim, a história poderia acabar aqui (depois de umas três oportunidades de ele sair vivo)! Pedir-se-iam desculpas, puniam-se responsáveis, encontravam-se culpados, reformulava-se o sistema. Mas não…

Ian Blair (chefe da Polícia) disse publicamente que o homem executado era um terrorista ligado aos atentados da véspera, Ken Livingstone (mayor de Londres) designou o comportamento policial de “corajoso” e Charles Clarke (ministro do Interior) disse “estou contente”. A imprensa especulou que ele vestia demasiada roupa para o verão. A Imigração informava que o seu visto havia caducado. O relato oficial dizia que os agentes haviam dado ordens ao rapaz de parar antes de entrar na estação. Relataram que ele saltou as portas eletrónicas do metropolitano. Mesmo imobilizado ele conseguiu reagir e queria fugir.

Claro que as mentiras foram sendo reveladas. Celso Amorim (ministro brasileiro das Relações Exteriores) espantou todos quando disse que a situação de Jean Charles era totalmente legal! Neil Garret (produtor da ITN) emitiu o vídeo completo das filmagens do metropolitano de Londres que relatavam o que descrevi linhas acima. E, mais uma vez, as coisas poderiam ter acabado aqui, com as devidas pessoas responsabilizadas, já não apenas pela morte do rapaz, como pelas mentiras feitas públicas.

Mas, Lana Vanderberghe (a pessoa que tinha passado as informações à televisão), Louise McGing (namorada do produtor) e o próprio Garret foram presos, durante a madrugada, levados para um cubículo “sujo, gelado e fedido”, com videovigilância apontando para a sanita e um “cobertor infestado de piolhos” para aquecer. Um chá com açúcar foi a única refeição que ofereceram a Lana (diabética!) e Louise (grávida de três semanas) teve sorte em não perder o filho. E, mais uma vez, poderiam ter parado aqui! As autoridades superiores poderiam ter travado o processo e, exemplarmente, punindo os agentes que estavam ao ataque dessas pessoas.

Mas não! Cressida Dick (a supervisora de todo o processo, enquanto ocorria) foi promovida umas vezes! E em Novembro de 2006 um dos atiradores estava envolvido na morte de um suspeito de assalto a um banco.

A classe política não assumiu responsabilidades, a classe policial foi promovida e o único que a família consegue é uma singela vitória em tribunal num processo que acusa a falha da Polícia Metropolitanana condução de sua operação de investigação, vigilância, perseguição e detenção de um suspeito”, e o absurdo da legislação inglesa (além do absurdo político e policial que o caso denotou): “Com essa falha, Jean Charles de Menezes foi exposto a riscos a sua saúde e segurança” O rapaz foi morto e o sistema fala em riscos? Eu falo em assumir responsabilidades.

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3 Comentários:

Blogger dácio jaegger disse...

Policia é a mesma em qualquer lugar do mundo: o braço armado, bruto e inconseqüente do poder político. Os cabeças devem e tem cultura relativa; o corpo é inculto, não é escolhido por pensar e sim obedecer. Treinados para matar e depois perguntar quem é. Semanas atrás, no Rio, mostrou-se na TV, um policial, de helicóptero, atirando em bandidos que corriam morro abaixo. Parecia caçada na África. Exibicionismo. Três semanas depois, no mesmo helicóptero, o mesmo policial foi atingido na cabeça, ficou pendurado, preso ao cabo de segurança, e não resistiu ao ferimento.Foi exibido na TV. Para gáudio da bandidagem. Resultante da força bruta. TV sanguinolenta.

10 janeiro, 2008 23:24  
Blogger SAM disse...

Caro Dácio Jaegger, não creio que a questão esteja no fato da polícia ser violenta ou não. Acredito que todo ser humano é dotado de capacidade de erro e que todo ser humano deveria ser dotado da capacidade de aceitar, em sinal de sua própria humildade, o erro do outro.

O problema aqui foi que o sistema falhou: os agentes não estavam treinados, não se comunicaram adequadamente, precisavam apanhar o terrorista antes que fosse tarde de mais, e as decisões foram tomadas da pior forma possível. O problema aqui foi que não se assumiu a responsabilidade e se piorou com mentiras e calúnias, ao invés de meter o rabo entre as pernas e terem melhorado o sistema, puseram os pés pelas mãos e pioraram a situação. Esse é o problema! Infelizmente nenhum de nós saberá o que teria feito no lugar daqueles agentes. A cadeia de comando estava podre, não os serviços policiais do mundo (pelo menos é o que quero acreditar!).

Um abraço, e obrigado pelo comentário.

11 janeiro, 2008 00:44  
Anonymous Anónimo disse...

Infelizmente parece de tanta violência que polícia testemunha sempre, de fato perde o seu humanismo no entanto no caso de JC policia não assumiu a culpa talvez para não ter que pagar indenização.

11 janeiro, 2008 10:54  

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