sexta-feira, novembro 17, 2006

Dowland - A escolha...

Melhor mil vidas morrer
Que viver assim atormentado
Querida, lembra-te que o meu ser
Por tua causa morreu rejubilado.

John Dowland (1563-1626) in
"The Earl of Essex Galliard" -
First Booke of Songes (1597)
Trad. por Sam.

Cantado por Sting in Songs from the Labyrinth, a música de Dowland é dissonantes mas também envolvente. As dez canções presentes nesta recompilação provam-nos que o compositor era detentor duma personalidade singular que questionava, à boa maneira do seu tempo, a vida e a morte. Numa das canções -- Wilt thou unkind thus reave me -- demonstra a jubilosa melancolia de quem é capaz de ver para além do sofrimento dum amor não correspondido; pois amor tão intenso é aquele que permite maior facilidade em se afastar para, como Majnún ou Romeu, buscar a sua Laylí ou Julieta na morte: "a vida irá morrer, a morte manter-se-á viva para te amar", afirma o poeta-cantor.

Nesta condição de lutador, vivo pela morte, Dowland recebeu o título de Orfeu inglês, o personagem mitológico que regressa do mundo dos mortos. É ele o homem que, não merecendo (talvez como ninguém o mereça) o título de maníaco-depressivo, soube ver alegria e tristezas na vida, aprendendo a dar ao mundo e a receber do mundo, para depois poder transformar o sofrimento nalguma realidade com sentido (parafraseando o psiquiatra austríaco Frankl).

Numa das minhas músicas favoritas do álbum Come again, as aliterações e as redundâncias fazem da lírica e da música a mais jubilosa de todas, permitindo ao ouvinte (sabendo ou não inglês) sorrir mediante a descrição da dor, pois o autor sabe que enquanto sofre está perante a amada, a maior fonte de prazer ao seu coração, a bela jóia da sua existência.

Conforme explicou Frankl (1977), esta é a característica dos que reconheceram o seu papel no progresso humano, ao afirmar que "somente a atitude e a volição permitem-lhe dar testemunho de algo do qual só o homem é capaz: de transformar e remodelar o sofrimento a nível humano para converte-lo num serviço". É o que o próprio Sting diz: a música de Dowland vai "nos lembrando que apesar de poder haver tragédia na vida, a vida em si não é trágica".

Etiquetas: , , , , , , ,

4 Comentários:

Blogger Neptuna disse...

A tua escrita no seu melhor. Adorei este post!

ps: ando cada vez mais curiosa por ouvir o último albúm desse grande senhor.

17 novembro, 2006 12:31  
Blogger Unknown disse...

Sam!

Está genial!
Sting e Frankl do sofrimento, do amor, da morte para a música!
Vejo que o álbum o cativou completamente e que os temas lhe fizeram todo o sentido. ;)))
Adorei, simplesmente.

Um beijo

PS: Depois sou eu que descubro a vontade de sentido em Sting!!! ;))))

18 novembro, 2006 11:04  
Blogger Kikas disse...

Bom dia!
Antes de mais, o meu Obrigado pelas suas palavras no meu "blog". Prometo inserir mais "confissões" de Bernardo Soares...
Interessante a idéia que foi veiculada de "remodelar o sofrimento": se quisermos, e de acordo com as competências de cada um, é possível, de alguma forma, sermos felizes, nem que sejam "momentos"!
Nutro, igualmente, uma grande preferência por Sting: um autêntico "poeta musical"!

20 novembro, 2006 10:53  
Anonymous Anónimo disse...

Caramba, não tinha ouvido falar desse trabalho do Sting. Vou ouvir sem falta.

21 novembro, 2006 15:56  

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial