sábado, março 15, 2008

Contra o mapeamento dos mapeadores

Ontem era, supostamente, o dia da Blogagem Coletiva "contra mapeamento do cérebro em jovens infratores", mas, não sabendo o que aconteceu, não vi a sua repercussão pela Internet.

A ideia surgiu do CanalPsi Revista, um blog brasileiro e de qualidade cujo principal interesse parece ser a promoção de atividades diversas no campo da Psicologia. Na nota de repúdio promovida pelo mesmo espaço pode-se ler:

A notícia de que a PUC-RS e a UFRGS vão realizar estudos e mapeamentos de ressonância magnética no cérebro de 50 adolescentes infratores para analisar aspectos neurológicos que seriam causadores de suas práticas de infração nos remete às mais arcaicas e retrógradas práticas eugenistas do início do século XX.

Os investigadores defendem o seu estudo, dizendo que se trata de localizar as regiões cerebrais cuja atrofia tem reduzido a capacidade de conter/controlar os seus impulsos/instintos e, com base nos resultados, poder procurar alternativas de prevenção e de cura.

O campo de batalha começa aqui. A polémica se instaura. Acusam os investigadores, Jaderson Costa Dacosta e Renato Zamora Flores, de terem ideias semelhantes a de Cesare Lombroso, frenólogo, que pretendia descobrir o tamanho do crânio dos criminosos natos, aproveitando para acusar também um homem cuja ciência que conheceu era a do Século XIX. Já Ivan Izquierdo, defendendo a investigação, compara a crítica social ao “melhor estilo da Espanha da Inquisição, da Alemanha de Hitler e da Rússia de Stalin”, que criticava antes de se poder ver as utilidades do caso. E a discussão e os sarcasmos e ataques de ambos os lados não param por aí!

Segundo o CanalPsi, muitas são as personalidades e entidades que se insurgem contra a investigação, pelo que entendo, porque tais praticas investigadoras reduzem o ser humano a meras conexões neuro-biológicas, esquecendo de outras dimensões humanas assim como o contexto social e cultural.


De facto, uma visão apropriada da Psicologia necessita, diria Ludewig, de “um conceito global” de ser humano, no qual se “tenha em conta ao ser humano na sua dinâmica” total e completa. É necessário estarmos cientes de que o ser humano não se reduz a um ou outro aspecto da sua existência, mas à sua totalidade. Frankl dizia que:

Um radiologista vê também correctamente quando numa radiografia vê ao homem como se não se tratasse de uma pessoa, senão só de um esqueleto. Mas nenhum radiologista ponderaria afirmar que o homem se compõe só de ossos, mas sabe que em realidade existem também outros tecidos.

Por isso, acredito que os autores do estudo, cujos currículos e instituições falam por si, saberão evitar cair no erro de deixar de refletir, e saberão evitar a coisificação do ser humano. Os reducionismos biológico, psicológico ou sociológico são todos reduções do ser humano a um homúnculo. Qualquer visão que diga que o ser humano é resultado do cérebro, resultado da educação e das cognições ou resultado do meio, implicaria uma visão unilateral, unidimensional, resultando numa imagem deformada fazendo dele um homúnculo, um homem incompleto, em miniatura: uma redução do homem a algo ou a uma parte.



Mais ainda; acredito que a investigação em causa faz-se útil, e a luta contra ele, sob uma alçada de defesa pelos Direitos Humanos, faz-se incoerente. Pessoalmente, como defensor dos Direitos Humanos e como psicólogo, não vejo a relação entre uma coisa e outra. Imagino apenas se os esforços dessas pessoas estivessem canalizados para a situação atual na China, no Irã ou no Iraque... como a paz universal poderia nos chegar mais rapidamente! Imagino como seriam estes esforços se promovesse atividades de inserção social e promoção de equidade social no Brasil, luta enfática e sistemática contra os preconceitos, o incentivo da educação infantil e juvenil no país, a luta contra a violência doméstica, contra o trabalho escravo e tantas outras causas sociais dos direitos humanos que oprimem esta nobre nação. Se assim fosse, como poderia ser mais justa a sociedade brasileira!

A minha proposta, deixemos os radiologistas do cérebro fazerem o trabalho deles! E façamos nós o trabalho pelos Direitos Humanos.

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